O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ALOJAMENTO LOCAL

 

 

Nos últimos tempos tem havido muita gente a colocar questões sobre o seguro de responsabilidade civil no alojamento local e, embora não seja uma questão fechada do ponto de vista jurídico, importa fazer um ponto de situação.

 

O seguro de responsabilidade civil no alojamento local foi uma das inovações introduzidas ao regime jurídico do alojamento local (RJAL), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Janeiro pela Lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto, mais propriamente no seu artigo 13.º-A.

 

Logo após a publicação da Lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto, tive ocasião de alertar para o facto de que a redação dada àquele artigo, pelas muitas lacunas que tinha, dificilmente seria aplicável e exequível, na medida em que obrigava o titular da exploração de alojamento local a celebrar e manter válido um seguro multirrisco de responsabilidade civil que o proteja dos seus ativos e reclamações no âmbito da sua atividade turística, determinando a responsabilidade do titular da exploração do estabelecimento, e que cobrisse ainda os riscos de incêndio e danos patrimoniais e não patrimoniais causados a hóspedes e a terceiros, decorrentes da atividade da prestação de serviços de alojamento.

 

Este era um regime de responsabilidade difusa e demasiadamente generalista que não definia claramente o seu âmbito de aplicação, o valor dos capitais mínimos seguros, o seu limite temporal,  a possibilidade de exercício do direito de regresso, as exclusões de responsabilidade admissíveis ou o estabelecimento de franquias não oponíveis ao terceiro lesado ou aos seus herdeiros, para além de que obrigava a uma duplicação de seguros de responsabilidade contra riscos de incêndio, que já era obrigatório para os imóveis submetidos ao regime da propriedade horizontal. 

 

Os receios que então tornei públicos, nomeadamente nas redes sociais, vieram a confirmar-se e as empresas de seguros recusaram-se a lançar no mercado um seguro para o alojamento local nos termos previstos naquele diploma.

 

Reconhecendo o erro cometido, veio o legislador, no caso a Assembleia da República, alterar a redação do artigo 13.º A, no artigo 347.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2019.

 

O artigo 13.º-A na sua nova redação veio estabelecer que o titular da exploração de alojamento local deve celebrar, e manter válido, um seguro de responsabilidade civil extracontratual que garanta os danos patrimoniais, e não patrimoniais, causados a hóspedes e a terceiros, decorrentes do exercício da atividade de prestação de serviços de alojamento.

 

O capital mínimo do contrato de seguro previsto no número anterior é de 75 000 € por sinistro.

 

As demais condições de seguro de responsabilidade civil são determinadas em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e habitação.

 

Tratando-se de estabelecimento de alojamento local cuja unidade esteja integrada em edifício em regime de propriedade horizontal, o titular da exploração fica ainda obrigado a celebrar ou a fazer prova da existência de seguro válido que garanta os danos patrimoniais diretamente causados por incêndio na ou com origem na unidade de alojamento.

 

Chegado a este ponto importa referir que a falta de seguro válido é fundamento de cancelamento do registo no RNAL.

 

Sem prejuízo dessa obrigação legal, importa no entanto lembrar que de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto, os estabelecimentos de alojamento local registados no RNAL antes de 22 de Outubro de 2018, têm dois anos a contar daquela data para cumprirem a obrigação prevista no artigo 13.º-A, que estabelece a obrigação de realizar o seguro que cubra os riscos da atividade de alojamento local.

 

Isso não significa, no entanto, que esses estabelecimentos não devam celebrar este seguro, porque devem-no fazer, na medida em que, caso aconteçam acidentes com os hóspedes, ou se verifiquem quaisquer outras situações que gerem responsabilidade para os titulares de estabelecimentos de alojamento local, e o seguro não tenha sido celebrado, os titulares do AL respondem pessoalmente pelos danos e indeminizações que forem da sua responsabilidade.

 

Acontece, porém, que a referida portaria ainda não foi publicada em Diário da República e, enquanto isso não acontecer, os termos em que esse seguro deverá ser celebrado não são formalmente conhecidos.

 

Não obstante, muitas companhias de seguros, e até as Associações Empresariais do setor com a AHRESP e a ALEP apressaram-se a lançar no mercado seguros para o alojamento local, para marcar terreno e antecipar-se aos concorrentes.

 

E isto aconteceu porque, quer as associações do sector quer as associações representativas das empresas seguradoras, têm já uma ideia muito aproximada das regras que constarão da referida portaria.

 

Dito isto, enquanto a portaria não for publicada não é possível afirmar de forma perentória que as condições particulares desse seguro serão aquelas que constam da Portaria e, por isso, muitos dos seguros já existentes no mercado fazem referência a esse facto, ou seja, que as condições particulares do seguro poderão vir a ter de ser alteradas caso a Portaria preveja alguma situação que não se encontra prevista nesses seguros.

 

Os titulares do AL estão, por isso, num dilema e perguntam-nos o que devem fazer.

 

A resposta a esta pergunta não é fácil, na medida em que apesar do artigo 6.º do RJAL não previr expressamente que o pedido de comunicação prévia com prazo deve ser instruído, entre outros elementos, com a prova de que o contrato de seguro de responsabilidade civil foi celebrado, a alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º e o novo n.º 6 do artigo 13.º-A estabelecem que a falta de seguro válido é fundamento para o cancelamento do registo, e por isso, muitas câmaras municipais exigem a prova de que o seguro existe logo no pedido de comunicação prévia com prazo, para efeitos de registo no RNAL (embora legalmente não o possam fazer). E fazem-no porque imediatamente após o registo ter sido feito, em sede de fiscalização ou até de vistoria, o facto do seguro não existir é motivo bastante, como já foi antes referido, para o cancelamento do registo.

 

Assim sendo, o conselho que vos posso dar, e este conselho aplica-se a todos os titulares de AL, quer aos que vão iniciar agora a atividade, mas também para aqueles que já estavam registados antes de 22 de Outubro de 2018, é que façam desde já o seguro, mas procurem-se informar quando a Portaria for publicada, se o seguro que têm cumpre ou não as normas exigidas pela Portaria, e se necessita ou não de ser revisto o respetivo contrato.

 

Num mundo ideal, as companhias de seguro, deviam prever nos seus contratos, a possibilidade de que caso tal não aconteça, o segurado possa rescindir o contrato sem custos ou penalizações, mas, no mundo real, o mais provável é que eles apenas vos permitam atualizar os termos de seguro, sem a possibilidade de optar por outra companhia.

 

Para terminar deixo-vos três notas: 

 

A primeira é de que nos termos previstos no n.º 1 do artigo 13.º-A do RJAL “o titular da exploração de alojamento local é solidariamente responsável com os hóspedes relativamente aos danos provocados por estes no edifício em que se encontra instalada a unidade”.

 

A segunda é que muitos dos seguros para AL existentes no mercado não cobrem este risco e, por isso, recomendo que quando escolherem o vosso seguro tenham este facto em consideração.

 

A terceira e última, é que tenham presente que os titulares de AL situados em prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, deverão verificar se já têm ou não seguro de responsabilidade contra riscos de incêndio, porque se o tiverem não precisam de ter esse seguro associado ao seguro de responsabilidade civil do AL, mas se isso não acontecer terão de o fazer.

 

Espero que este artigo vos tenha sido útil e vos tenha ajudado a esclarecer o assunto.

 

 

Miguel Torres Marques

Advogado

15 Abril de 2019